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10/08/2006

Por não estarem distraídos

Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos,
a alegria como quando se sente a garganta um
pouco seca e se vê que por admiração se estava
de boca entreaberta: eles respiravam de antemão
o ar que estava à frente, e ter esta sede era a
própria água deles. Andavam por ruas e ruas
falando e rindo, falavam e riam para dar matéria
e peso à levíssima embriaguez que era a alegria
da sede deles. Por causa de carros e pessoas, às
vezes eles se tocavam, e ao toque – a sede é a
graça, mas as águas são uma beleza de escuras –
e ao toque brilhava o brilho da água deles, a boca
ficando um pouco mais seca de admiração. Como
eles admiravam estarem juntos!

Até que tudo se transformou em não. Tudo se
transformou em não quando eles quiseram essa
mesma alegria deles. Então a grande dança dos
erros. O cerimonial das palavras desacertadas.
Ele procurava e não via, ela não via que ele não
vira, ela que estava ali, no entanto. No entanto
ele que estava ali. Tudo errou, e havia a grande
poeira das ruas, e quanto mais erravam, mais
com aspereza queriam, sem um sorriso. Tudo
só porque tinham prestado atenção, só porque
não estavam bastante distraídos. Só porque, de
súbito exigentes e duros, quiseram ter o que já
tinham. Tudo porque quiseram dar um nome;
porque quiseram ser, eles que eram. Foram então
aprender que, não se estando distraído, o telefone
não toca, e é preciso sair de casa para que a
carta chegue, e quando o telefone finalmente
toca, o deserto da espera já cortou os fios. Tudo,
tudo por não estarem mais distraídos.

(LISPECTOR, Clarice. Para não esquecer. São Paulo: Siciliano, 1992.)

Texto belo que roubei do fotolog da Tata.
Fala bem à respeito da vida, da alegria, da liberdade...
E do deixar fluir...

Amo muito tudo isso!

4 comentários:

Anônimo disse...

[clarice foi bem nesse texto... se eu não tivesse um "senso de universalidade" acharia que ela antevia minha vida...]

querida bia,

cada silêncio foi muito preveitoso e agradável.
cada passo [na pista ou na rua], cada cineuff, cada jujuba verde...
ahhh, cada gargalhada e crítica e psudointelectualidade...

o que espero é seguir; seguir nessa e viver muito mais disso tudo que eu tenho aprendido a amar.

Anônimo disse...

oras, dou uma chegada no seu blog, para ler os tais textos d q um dia havia me falado e encontro o (bendito) da prova de domingo passado. legal; gosto da clarice. e gostei do site.
té mais, bianca.

André von Held Soares disse...

Pessoas apaixonadas... Ah!
Tem coisa melhor?
Desfrutem de tudo que Deus preparou pra vocês, minha gente!
Beijos mil,
do amigo, André VHS

Jackie Götzen disse...

Meninaaa! Voltei...devagar mas voltei!!!
Passa lá no meu cantinho de Allstar ao Salto Alto!