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31/05/2009

A Maçã - Rubem Alves

“Eu costumava reunir meus alunos no meu apartamento para combater a minha solidão noturna [...]

Lá estavam eles, uns 15, assentados em roda, no chão, nas poltronas. No meio uma pequena mesa com uma cesta de maçãs. O outono é o tempo das maçãs...

Eu falava sobre palavras, sobre poesia. E disse uma coisa que eles não entenderam: “Amamos não a coisa, mas as palavras que colamos nelas...”. Ah! Como são perigosas as palavras! Milan Kundera nos advertiu dizendo que o amor nasce quando associamos o rosto da pessoa a uma metáfora poética. Amamos aquele rosto por ser ele o suporte de uma metáfora. É a metáfora que amamos. Se a metáfora se for, vai-se também o amor. Ela emigra, em busca de um outro rosto...

Um jovem sorriu para mim, um sorriso de amizade e desafio; tomou uma maçã, mordeu-a e disse: “Eu amo maçãs...”. E ficou em silêncio. Eu entendi. Ele estava me dizendo: “Eu amo maçãs. Maçãs, simplesmente, sem metáforas; sua forma, seu cheiro, sua cor, seu gosto. As maçãs, elas mesmas...”. Eu tomei outra maçã, mordi-a e disse: “Eu também amo maçãs... Só que você nunca comerá a maçã que eu estou comendo, ainda que você a morda no mesmo lugar onde eu a mordi, e eu nunca comerei a maçã que você está comendo, ainda que eu a morda no mesmo lugar onde você a mordeu...”.

Expliquei. Aquelas maçãs estavam cheias de outono, de folhas amarelas, de folhas vermelhas, de geada, de cheiro de folhas no chão, de nostalgia. Dentro de cada maçã havia um mundo, o mundo deles. Comendo a maçã, eles comiam também o mundo que havia nela. As maçãs eram sacramentos... As minhas maçãs eram sacramentos de um outro mundo, ainda que estivessem na mesma cesta...

[...]

É, minha única maçã em nada se parecia com as montanhas de maçãs, todas iguais, que se comiam lá no Maine. Elas eram sacramentos de mundos diferentes. Senti-me como o Pequeno Príncipe, que, no seu minúsculo asteróide, tinha uma rosa que estava sempre em risco de ser devorada por um carneiro. Ela era a única rosa do universo. Como ele a amava! Aí ele resolveu visitar a terra, esse planeta imenso e espantoso. Então encontrou um jardim, e que decepção! Havia milhares de rosas, todas iguais à sua! Então a rosa não era a única do universo! Ela era como muitas... Foi então que percebeu que havia uma diferença: ele cuidava da sua rosa e ela fazia dengo... O amor aparece quando colocamos uma imagem poética sobre o seu rosto...”

“O que é chorado é uma cena luminosa, dentro de nós, que repentinamente se apagou. Choramos um sonho.”.





[Um texto citado... há muito não postava assim. Mas o que acrescentar às palavras dele? Talvez em outras postagens... Afinal, o que leio influencia meus mundos! Obrigada, Rubem!]

2 comentários:

Miguel Del Castillo disse...

obrigado, Rubem

Felipe Reina disse...

Obrigado, discípula do Rubem.