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01/04/2009

Semelhança Infinita [Sobre a criação do Tempo]

Ele é tão grande, que o adjetivo não pode contê-lo.

Toda a criatividade - o senso ínfimo ou esmagador que impulsiona o surgir do novo – não apenas dele vem, mas nele está contida.

Tendo criado o homem e a mulher, e lhes dado um Jardim como casa, lhes deu ainda mais:
Doces e salgados infinitos para as suas línguas. Azuis, terracotas, amarelos e verdes; uma explosão de brancos de luz contendo todas as cores do mundo, para os seus olhos.
O Jardim cantava melodias. Sons agudos, graves, longos, curtos, altos, baixos, batuques e assovios... E o Criador foi generoso, pois a música também emanava do coração dele, e no coração do casal fez questão de depositar esta fonte, de forma que eles não eram apenas passivamente musicais, mas ativamente músicos.
E tudo no Jardim tinha texturas, e os corpos eram plenos de sentidos físicos que tornavam rica a própria existência.

E Deus sorria.
E a criação sorria.
E tudo era semelhança.

O casal tinha o infinito do Criador presente em cada um de seus sentidos, e quanto mais conheciam e andavam com esta Fonte, mais sentido seus sentidos ganhavam. E eles eram infinitos também.

O que aconteceu foi que um dia o casal abriu mão da Fonte que era uma pessoa. Um relacionamento. E acharam que as coisas eram mais importantes, resolvendo descobrir o mundo por si mesmos, ao invés de ter os segredos da vida revelados em tardes de conversa e pôr-do-sol. A Fonte da Criatividade Infinita foi abandonada.

Desta forma, por causa de um rompimento trágico, Deus criou o Tempo, e colocou um relógio no pulso de cada um, [e de todos] para que se lembrassem daquele dia.

De agora em diante, tudo, fora de Deus, teria um fim.

E quando o casal percebeu que o gosto doce do jambo acabava na boca, e que o girassol grande e amarelo, um dia abaixava a cabeça desistindo para sempre do sol, choraram o choro manso de quem consente com a responsabilidade intrínseca a cada escolha.

“O tempo seria uma suave cortina de seda invisível que delimitaria a duração de todas as coisas nesta terra;
E haveria tempo para tudo:
Tempo para que se abrissem os olhos para todas as cores, e o tempo dos tons de cinza.
Tempo para persistência da esperança, e o tempo para que se mudasse de idéia.
Tempo de por um fim; tempo de insistir; tempo de [des]construir.
O riso espaçoso e cheio de gestos, ou a lágrima encurvada e retraída; a dança espontânea, ou o repouso tranqüilo; O que separaria um do outro: sempre o tempo.
Juntar ou espalhar; abrir o peito ou fechá-lo para alguém. O tempo. No tempo.
O limite entre perder e encontrar, e a duração da companhia ou de uma ausência;
Tempos em que se lamentaria imensamente, e tempos em que se vestisse para festas;
Tempo de poetizar; tempo de silenciar.
Amor ou indiferença: questão de tempo.
O tempo separaria a guerra da paz”.
[Eclesiastes 3. 1-8. paráfrase]


E com a criação do tempo, e aquele constante tiquetaquear, as pessoas aprenderam a se despedir.
Num dia se despediam de um dentinho, no outro, dos cabelos. Até que um dia, todos os sentidos se iriam de uma vez só!
Olhos fechados, e outra vez: pó.

A Esperança, por sua vez, não ganhou um relógio, muito pelo contrário: ela só existe por causa das paredes não derrubadas do tempo...
O infinito presente em cada pessoa ardia como fogo, e toda vez, até hoje, que alguém cria imagens, texturas, construções, ou compõe uma bela canção, capaz de fazer olhos marejarem, sorrisos se abrirem, ou pés flutuarem... a essência infinita da Semelhança vem à tona!

“Tudo é formoso: o que for bom e até o que parecer ruim, pois Deus fez assim, e nele não há limites temporais. Deus mesmo pôs a eternidade no nosso coração, ainda que não saibamos plenamente as Suas obras desde o início até o fim. Ele mesmo é a Eternidade”
[Eclesiastes 3: 11 - paráfrase]

4 comentários:

Liege Lopes disse...

Que sacada legal! Eu gosto de ler você.

Marcos Vichi disse...

Olá Bianca!

Muito boas as paráfrases do Eclesiastes! É o meu livro preferido.

Tempo... Quando é bom passa tão rápido mas quando está ruim, parece que não vai embora nunca.

Eu fico vigiando a minha lista de blogs, para saber logo quando você publica algo. Também gosto muito de ler os seus textos.

Beijos,

Marcos Vichi

Miguel Del Castillo disse...

sabe que eu achei genial.
"O infinito presente em cada pessoa ardia como fogo, e toda vez, até hoje, que alguém cria imagens, texturas, construções, ou compõe uma bela canção, capaz de fazer olhos marejarem, sorrisos se abrirem, ou pés flutuarem... a essência infinita da Semelhança vem à tona!"

já diria Marisa, "infinito particular"

Pedro Grabois disse...

TEMPO SEM TEMPO (José Miguel Wisnik)

vê se encontra um tempo
pra me encontrar sem contratempo
por algum tempo
o tempo dá voltas e curvas
o tempo tem revoltas absurdas
ele é e não é ao mesmo tempo
avenida das flores
e a ferida das dores
e só então
de sopetão
entro e me adentro no tempo e no vento
e abarco e embarco no barco de Ísis e Osíris
sou como a flecha do arco do arco-íris
que despedaça as flores mais coloridas em mil fragmentos
que passa e de graça distribui amores de cristais totais sexuais celestiais
das feridas das queridas despedidas
de quem sentiu todos os momentos