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24/11/2009

Já devo chorar?

Minha irmã e eu, ainda de uniforme voltávamos da escola quando avistamos o caixotão de papelão e ouvimos o choro dos filhotes que vinha de lá. Nosso primeiro cachorro, o Simba, era um fila brasileiro de porte grande, e naquela época, já tinha um ano conosco. Mas o quintal era grande, certamente caberia mais um.
Chegamos em casa eufóricas!

Podemos? digam que siiiim!

E voltamos com o Bingo no colo.

Eu tinha oito anos. E o Bingo era meu cachorro. Nossa proximidade aumentou quando depois de anos, por medo, não chegava mais perto do grandão do Simba, que eu continuava a amar com os olhos através da grade, de longe.

Binguinho não era de festa, não tinha rabo para balançar como a maioria dos cachorros, sempre sóbrio, silencioso e marrento. Fisicamente, era como o Maylow [do filme “O Máscara”] Pequenino, pêlos brancos e manchas marrons. Colocava cachorros com 5 vezes o seu tamanho para correr. Minha teoria é de que ele nunca tinha se visto no espelho, e deve ter crescido acreditando que o Fila era seu “semelhante” em estatura. De certa forma, isso o dava confiança... Só não me pergunte o que tirava a confiança dos grandões desajeitados , pastores alemães e afins, correndo com o rabo entre as pernas daquela figurinha branca e miúda na rua.

O fato é que quando Bingo tinha 13 anos, e eu 21, o Simba morreu. Eu não estava em casa. Cheguei e só notei que o quintal estava bem maior que o de costume. Uma grande figura que cresceu conforme eu crescia, não mais o preenchia. Um quintal cheio de uma ausência. Bingo continuou em silêncio... Um silêncio mais distante.

Há uma semana atrás, em mais um dia de trabalho normal, bem cedinho, ele estava sentado, após dar uns três passos de distância do carro que saía da garagem, atrapalhando seu sono como o de costume. Neste dia eu o olhei com atenção.

Lembro do minuto em que fitei seus cílios... e estavam brancos, assim como seu focinho. Meus olhos foram dele no início do dia e eu lembro de ter pensado: Quando chegar, vou tirar uma foto destes cílios. Não sei por quanto tempo os verei.

Eu voltei, mas o Binguinho não. Saiu de casa e virou a esquina. Simples assim.

Meus pais rodaram o bairro inteiro. Meu pai, uns dois dias sem dormir direito.
14 anos e mais uma ausência. Não ouve choro de despedida... Só uma sensação de esperança por querer de volta e não saber.

[Já me peguei lembrando do Ripchip. Ratinho corajoso das Crônicas do Lewis, que navegou até o final do mar e chegou em Nárnia, sem mais voltar.]

Ontem completou uma semana, e pela primeira vez meu pai não saiu de bicicleta como tem feito desde então...

Tenho saudade...
Será que já devo chorar?
Seus cílios brancos não me saem da cabeça.

4 comentários:

.gustavo pereira disse...

"[Já me peguei lembrando do Ripchip. Ratinho corajoso das Crônicas do Lewis, que navegou até o final do mar e chegou em Nárnia, sem mais voltar.]"

os cílios brancos, ao virarem a esquina - como num piscar -, chegaram a nárnia; o destino final do sonho nostálgico.

acho bonito... bonito que dói.

Vinicius Pimentel disse...

Linda história triste. Dá vontade de chorar ao ler.

vitrola disse...

Hm.
Bingo!

será que ele volta?

legal esse texto

brejos

Paula Maximiano. disse...

Lindo demais. Profundo, amargo e ao mesmo tempo tão sublime...
Chore sim. Mas que seja um choro brando, desses que afagam corações marejados. Seu blog é incrível, adorei.
Beijos, querida.
Ótima semana.