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31/07/2013

O Jardim é o Mundo!

Texto que escrevi como introdução ao VII Sarau "Jardim", ocorrido no sábado dia 27 de julho de 2013. O nosso primeiro Sarau como igreja emancipada. O texto explica um pouco da nossa visão sobre o sarau, e sobre a escolha do tema.




Pra quem nunca participou de um de nossos Saraus, é bom compartilhar nossa visão da integralidade do homem e da mulher, e a forma como entendemos que o evangelho de Jesus aponta para esta percepção do “Evangelho todo, para o homem todo, para todos os homens” [Essa é a linha da teologia da Missão Integral], ou seja, um evangelho atento a todas as esferas possíveis da espiritualidade e da história, da humanidade, dos nossos contextos biológicos, físicos, objetivos e subjetivos, pontuais e cósmicos. Práticos/pragmáticos e Místicos/transcendentes.

“Façamos o Homem conforme nossa Imagem e Semelhança”
Gn 1: 26
Cremos que nossa Semelhança infinita com o Criador de todas as coisas é a responsável por nossa capacidade de recriar. De instrumentalizar. De descobrir, dar sentido, e reavaliar constantemente nossa existência e nossa capacidade de evoluir cientificamente e expressivamente.

O Sarau é mais que um espaço de comunhão e acolhimento de amigos, é uma oportunidade de dividirmos nossa forma subjetiva, pessoal, de ver, de dizer, de sentir, de pensar, de nos apropriar de todos os sentidos dados por Deus para nos relacionarmos com o mundo, com os outros, e conosco. E desta forma, reconhecendo que Deus mesmo pôs em nós tudo o que existe, e que utilizar toda a nossa potencialidade, é honrar a Semelhança que trazemos eternamente, dEle mesmo.


Em nosso contexto histórico-social, foi construída por séculos, a ideia de que só a razão é séria o suficiente para tratarmos de assuntos relevantes. E esta visão de que ciência e razão são as linguagens superiores, úteis, necessariamente traz uma dicotomia, ou seja, o preto e o branco, o positivo e o negativo: Se a ciência e a razão são as únicas formas “sérias” e relevantes de lidar com a vida, o sentimento, a percepção sensível, e a expressão subjetiva, são inferiores, são inúteis.
Nossa visão construída socialmente coloca razão e emoção em níveis de oposição, e não de complementariedade, de integralidade.

Pois bem, neste ponto vou citar um diretor de teatro brasileiro, faleceu em 2009, que uniu arte e ação social, através da criação do Teatro do Oprimido, dialogando com a pedagogia do Paulo Freire, que consistia em poucas palavras, em dar voz, trazendo para o palco, o espaço cênico, os marginalizados, os “mudos e invisíveis”, que foi o Augusto Boal, em seu último livro chamado “A Estética do Oprimido”, em que traz para a nossa reflexão, nossa relação com a palavra [símbolo da razão e do pensamento], e com as imagens e sons, [símbolos do sensível, da arte]


“... O analfabetismo é usado pelas classes, clãs e castas dominantes como severa arma de isolamento, repressão, opressão e exploração. Mais lamentável é o fato de que [estes oprimidos] também não saibam falar, ver, nem ouvir. Esta é igual, ou pior, forma de analfabetismo: a cega e muda surdez estética. Se aquela proíbe a leitura e a escritura, esta aliena o indivíduo da produção da sua arte e da sua cultura, e do exercício criativo de todas as formas de Pensamento Sensível. Reduz indivíduos, potencialmente criadores, à condição de espectadores...

...Temos que repudiar a ideia de que só com palavras se pensa, pois se pensamos também com sons e imagens, ainda que de forma subliminal, inconsciente, profunda! O pensamento sensível, que produz arte e cultura, é essencial para a libertação dos oprimidos, amplia e aprofunda sua capacidade de conhecer. Só com cidadãos que, por todos os meios simbólicos (palavras) e sensíveis (som e imagem), se tornam conscientes da realidade em que vivem e das formas possíveis de transformá-la, só assim surgirá, um dia, uma real democracia.”
[BOAL]


Ditas estas coisas, vamos ao tema do Sarau.
Nossa vontade era retomar o tema Meio Ambiente.
Tínhamos, no entanto, provocações e dilemas.

O principal dilema era: teoria e prática. Como vamos falar de reciclagem, cuidado com a natureza, coleta seletiva de lixo, cuidado com a descartabilidade de alguns materiais... se na prática isso exige uma vigilância e uma responsabilidade tão grande de compromisso? Sim, tudo isso é possível, e queremos adotar todas as práticas necessárias à nossas vidas e à nossa igreja. A provocação que fica é – Precisamos construir esses caminhos coletivamente. Com propostas e práticas coerentes.

As provocações vieram no sentido de encontrar razões genuínas e sinceras para fazê-lo. Percebemos que as nossas questões de cuidado com a natureza podem ser anteriores.... vão para o campo do simbólico, do sensível. E estas construções e desconstruções também levam séculos para chegarem a nós, e precisam ser repensadas. Um problema, por exemplo, pode ser tratarmos a natureza como “outra” como “algo externo” a nós mesmos. Em não nos percebermos integrantes, mesma matéria, “terra autoconsciente”...

Estava lendo um livro chamado “Negras Raízes” do Alex Haley, americano descendente de escravos, com uma pesquisa documental e presencial de 12 anos, para descobrir a vida de seu povo ANTES de ser subjugado à outra cultura. E o interessante deste livro é resgatar a cultura tida como “bárbara” pela cultura dominante da “civilidade”. Uma das coisas que me chamou a atenção, e me pôs a pensar, é como o homem civilizado se DESCONECTOU da terra. No livro, o povo de uma tribo específica andava apreensivo com rumores de pessoas sumindo na floresta, sendo capturadas e levadas por homens brancos para um grande navio. E as crianças, sendo orientadas a perceber os sinais da passagem desses homens pela mata, para se protegerem, era o seguinte: Os africanos locais se locomoviam pela floresta descalços, faziam parte dela. O “homem branco” usava sapatos, e com o auxílio de facões, abria trilhas. Em outras palavras: Se locomovia retirando a natureza do caminho.

Outra provocação: Assistia a um documentário sobre obesidade na infância. A relação das crianças com o alimento. A nutricionista mostrou um saco industrializado de batatinhas, tipo ruffles, e perguntou à criança o que era aquilo. Prontamente a menina respondeu: Batatas! Em seguida, apresentou à menina o legume, a batata mesmo, extraída da terra, e perguntou novamente o que era. A resposta veio titubeante: -Uma Cebola???

O tema do sarau foi motivado por algumas perguntas então:
Como trazer a terra de volta para um espaço de intimidade com a humanidade?
Como prestar atenção à natureza e perceber nossa responsabilidade diante dela?

A resposta veio da poesia. A resposta veio do Jardim.

“E tomou o Senhor Deus o homem, e o pôs no jardim do Éden para o cuidar e o guardar.”
Gênesis 2:15

Hoje, portanto, vamos abordar através da arte de todos nós, as lições que retiramos dos jardins. Nossa responsabilidade diante da vida e da nossa conversão, nosso retorno, à terra.

Só com um amor consciente e responsável, seremos bons mordomos, bons cuidadores do planeta que nos foi entregue. Cuidar não será doloroso, mas exigirá sacrifícios e muito trabalho. A diferença é que o Amor sempre encontra caminhos.

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