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28/10/2013

"Com Deus não se Brinca" - Insights sobre a inutilidade.

Nesta semana vi/li duas coisas que me deixaram intrigada. É bom quando uma imagem ou conjunto de palavras nos põe pra refletir sobre nossas posturas [e nos dá consciência sobre o que pode causá-las]

Na primeira, um trecho pequeno de uma fala do Rubem Alves no documentário “Rubem Alves: o professor de espantos”, em que ele questionava o porquê das pessoas não prometerem a Deus coisas boas, como ouvir uma determinada música linda, comer algo gostoso de vez em quando, ter mais prazer em seu cotidiano com atividades específicas, até o fim da vida... Ao invés disso, prometiam apenas “casca de ferida” nas palavras dele, como subir centenas de degraus de escadarias de joelhos, não comer determinada coisa e etc., como se Deus ficasse “babando de prazer ao saber dos sofrimentos”.

A definição de promessa segundo o dicionário é:
"Ação ou efeito de prometer.
Voto feito aos santos ou a Deus para obter alguma graça."

Neste sentido até compreendo que a vontade de obter algum favor ou “milagre” que fuja à capacidade humana realizar, como a cura de uma doença grave ou coisa semelhante, faz a humanidade apelar à força da religião. Religião no sentido de controlar a divindade. Barganhar com o inatingível.

Não pretendo fazer aqui um texto teológico. Muito menos comparar Promessas neste sentido que conhecemos, com Jejum. [Aquele jejum do arrependimento, do quarto e da intimidade, da renovação de mente e de posturas]

As “promessas-casca-de-ferida” que legitimam a visão platônica na qual Agostinho, Calvino e os reformados beberam, que transforma o mundo ideal em algo inatingível e que desmerecem e condenam a matéria, o mundo-casa, o corpo. Que ressuscitam um deus medieval. A essas, sim, me oponho.

A vida é a maior criação de Deus.
A matéria manipulada por ele era boa. E viu os corpos e disse “É muito bom”.
E comemorou a criação descansando.

A luta pela justiça, as lágrimas ao guardar a miséria uns dos outros no coração [miseri-cordis], o acolher dos órfãos e viúvas, os bem-aventurados “fazedores” de paz [pacificadores, não passivos], os que sofrem perseguição de morte por amor à vida, que inalam gás-lacrimogênio.... Os que descobrem e dedicam suas vidas à ciência da cura das doenças, os professores que instrumentalizam a emancipação das mentes e corpos, as aflições que teremos no mundo, os militantes conhecedores e promovedores dos direitos dos oprimidos... Me parece que tudo gira em torno de uma busca por vida abundante. E vida abundante aqui. Terra, matéria, mundo. 

O fim da fome é necessário, pois só assim se faz poesia. 
O corpo almeja a cura da doença para desfrutar uma boa dança. 
Os olhos marejados lutam pela justiça para que não haja água e sal entre a dor e a beleza do pôr-do-sol. 
A criança amada e segura é capaz de brincar e aprender.

Toda a criação, [o universo] e a coroa da criação, [a humanidade] deve a Deus a promessa de desfrutar e garantir que se desfrute com justiça, a poesia, a brincadeira, os cheiros, gostos, movimentos e sons que Deus nos deu. A melhor promessa que se pode fazer àquele que presenteia, que dá de Graça, é garantir que o presente será desfrutado ao máximo de seu potencial. Prometer que daremos os melhores e mais profundos sorrisos de gratidão. Sem medo da inutilidade da arte e do prazer. 
No sétimo dia, o prêmio é o descanso....


Ah, e ainda lembrando o Rubem Alves que uma vez disse que a gargalhada era um espasmo de sinceridade incontrolável. Uma gargalhada não se finge. O riso também foi condenado pelos religiosos [aqueles que provavelmente não entenderam muito sobre a vida...] Reproduzo abaixo a ironia do cartunista do site "Um Sábado Qualquer" sobre o medo dos religiosos com o verbo "brincar".
 E é esta a segunda coisa que me provocou a reflexão compartilhada acima.





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