Estou
escrevendo esta carta para mim mesma, e ela deve ser lida em 2037 [se
Deus permitir] quando completarei 50 anos de idade.
Oi,
Bianca, aqui quem escreve sou eu, a Bianca com quase 26 anos e meio
de idade, diretamente de 2013.
Estou
escrevendo pra que você se reconheça no futuro.
Não sei
como está sua vida, sua carreira, seus sonhos, as rugas nas suas
mãos e olhos. Mas este texto não é para você me contar como é o
futuro, é pra você se lembrar de como era o tempo, de como você se
sentia daqui deslumbrando o puro mistério das cortinas de véu
incertas ao dobrar da esquina chamada futuro.
Parece que
foi ontem. Na verdade foi.
Você com
o uniforme da escola, década de 90, fazendo nos dedos as contas de
quantos anos faltavam para a virada do milênio. Você também
contava nos dedos quantos anos faltavam pra completar seus 15. E
naquela época, faltavam dedos nas mãos pra caber “tanto tempo”.
Foi ontem,
o planejamento da escolha da camisa de conclusão do ensino médio.
Os amigos cúmplices e os violões na hora do recreio.
Há 4 anos
formada da universidade, hoje você olha pra trás e já conta de
suas experiências de trabalho como se fossem milhares. Hoje você se
vê professora, e o timbre da voz até aqui parece mais grave e rouco
alguns tons. Espero que enquanto você lê isso, do futuro, ainda
alcance algumas notas altas e potentes enquanto canta. Se não der,
eu e você sabemos que nos viramos bem nas segundas vozes.
Queria te
contar que você até aqui lida bem com sua família, os 4 moram
juntos. Sem mágoas graves a não ser que Babi mudou de quarto de um
dia pro outro sem pedir tua opinião. A cama que por 2 anos ficou
vazia do seu lado, agora sumiu. Mas você está tranquila, porque ela
está ao teu alcance a algumas portas dali. Por enquanto...
Por
enquanto dona Solange, nossa mãe, é malabarista da vida, cuida do
mundo de todos nós, incansável e fundamental, anda boba de feliz ao
redescobrir os prazeres do cuidado e do lazer. Papai, Seu Fofinho, é
uma espécie de babá de emergência do seu carro. Leva pra lavar e
cuidar. E sempre te espera ligar, até que você chegue da rua. Ele
te espera sempre. Ele também te atualiza dos placares dos jogos do
Flamengo, fielmente.
Hoje você
tem esperança e constância suficientes pra movimentar engrenagens
dos sonhos de igreja, trabalho e sociedade, mas você não é mais
criança, nem garota. Seus olhos e coração experimentam desilusões
com frequência. Queria que você soubesse, aí do futuro, que as
desilusões ensinam e fazem crescer... aliás, neste tópico você
tem mais acúmulo do que eu, e como seria bom receber uma carta tua
pra me ajudar a compreender e a sorrir com as lições que tirou dos
sofrimentos daqui. Estou na metade da sua vida até chegar aí nos
50.
Escrevo do
teu passado, Bianca, porque quero que você se lembre de como hoje,
em 2013, você se sente jovem e forte. Capaz de enfrentar desafios, e
de comprar campanhas coletivas pra mudar realidades. Queria te pedir
pra não desanimar os jovens do teu tempo. Aí, do futuro. Nunca diga
a eles que você já lutou muito, e nada vai mudar... Deixe as
pessoas se envolverem nas causas que as movimentam. Deixe as pessoas
inspirarem vida e esperança. Não sei como estão os teus olhos daí,
mas espero que você também não tenha desistido de carregar
bandeiras ao lado de quem tem esperança. Se você resolver me dar
atenção, diretamente do auge da sua maturidade, espero que me
ouça. Tenha e incentive a esperança.
Espero que
daí, você continue reavaliando seus métodos e exercendo a
auto-crítica. Neste ponto temos algo em comum: Nunca estaremos
prontas. A vida deve ser construída enquanto ainda for vida...
Espero que tenha tido paciência e capacidade de dialogar com quem
pensa diferente de você.
Com 50, se
nada mudou e eu estiver acertando a previsão, você está fechando a
sua carreira profissional. Espero que a Educação tenha te dado
muitos frutos e que você continue vivendo através das milhares de
pessoas que teve a chance de dialogar e de construir junto.
Espero que
nos seus 50 você desfrute com alegria teu descanso, tenha
disposição, espero que tenha cuidado com o teu corpo, que é a tua
casa... Ah, e espero que ainda esboce com ousadia passos de dança de
salão ou de Ragga Jam. Desejo que “quando estiver bem cansada,
ainda exista amor pra recomeçar”...
Se pudesse
te pedir conselhos, pediria, mas acho que vou ter que descobrir e
construir a nossa vida com fé e com apostas. Tenho curiosidade a
respeito do seu interesse pelas leituras do Rubem Alves, você teve a
oportunidade de ouvi-lo ao vivo? Pôde beijar aquelas mãos que
através das palavras modificaram tanto tua visão? Acho que a lista
seria grande de pessoas que te inspiraram até aqui, e espero que a
outra metade da vida até aí, que ainda não conheço, te apresente
muitas pessoas geniais e profundas, preciosas no tempo e além deste.
Pra me
despedir por enquanto, quero te prometer valorizar e apreciar o
tempo, de forma a dividir esta mordomia contigo, para que você nunca
precise ter vontade de voltar e reviver estes anos. Vou enlarguecer
os dias com sensibilidade e devoção. Sei que nunca nos
encontraremos, mesmo que soe esquisito, porque eu e você somos a
mesma pessoa. Mas a Bianca que sou hoje, e a que serei amanhã e no
dia depois, a cada ano, ficaremos presas nestes anos, e levaremos
conosco as lições que nos transformarão sempre em outras, em novas
e acrescidas versões de nós mesmas. Pra facilitar suas avaliações
de percurso, e pra te encontrar como considerei possível, te envio
minhas palavras através do tempo. Numa espécie de mensagem na
garrafa virtual que lanço no mar.
Um
A-Braço,
Bianca
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