Início

22/12/2008

Escolhas- Parte II

A Menina e o Pássaro Encantado - Rubem Alves


"PARA O ADULTO QUE FOR LER ESTA ESTÓRIA PARA UMA CRIANÇA

Esta é uma estória sobre a separação: quando duas pessoas que se amam têm de dizer adeus...
Depois do adeus fica aquele vazio imenso: Saudade.
Tudo se enche com a presença de uma ausência.
Ah! Como seria bom se não houvesse despedidas...
Alguns chegam a pensar em trancar em gaiolas aqueles a quem amam.
Para que sejam deles, para sempre...
Para que não haja mais partidas...
Poucos sabem, entretanto, que é a saudade que torna encantadas as pessoas. A saudade faz crescer o desejo. E quando o desejo cresce, preparam-se os abraços.
***
Esta estória, eu não a inventei.
Fiquei triste vendo a tristeza de uma criança que chorava uma despedida... E a estória simplesmente apareceu dentro de mim, quase pronta.
Para quê uma estória?
Quem não compreende pensa que é para divertir.
Mas não é isto.
É que elas têm o poder de transfigurar o cotidiano.
Elas chamam as angústias pelos seus nomes e dizem o medo em canções.
Com isto angústias e medos ficam mais mansos.
Claro que são para crianças.
Especialmente aquelas que moram dentro de nós, e têm medo da solidão...


Rubem Alves


Era uma vez uma menina que tinha um pássaro como seu melhor amigo.
Ele era um pássaro diferente de todos os demais: era encantado.
Os pássaros comuns, se a porta da gaiola ficar aberta, vão embora para nunca mais voltar. Mas o pássaro da menina voava livre e vinha quando sentia saudades...
Suas penas também eram diferentes. Mudavam de cor. Eram sempre pintadas pelas cores dos lugares estranhos e longínquos por onde voava.
Certa vez voltou totalmente branco, cauda enorme de plumas fofas como algodão...
“- Menina, eu venho de montanhas frias e cobertas de neve, tudo maravilhosamente branco e puro, brilhando sob a luz da lua, nada se ouvindo a não ser o barulho do vento que faz estalar o gelo que cobre os galhos das árvores. Trouxe, nas minhas penas, um pouco do encanto que eu vi, como presente para você...”
E assim ele começava a cantar as canções e as estórias daquele mundo que a menina nunca vira. Até que ela adormecia, e sonhava que voava nas asas do pássaro.
Outra vez voltou vermelho como o fogo, penacho dourado na cabeça.
“- Venho de uma terra queimada pela seca, terra quente e sem água, onde os grandes, os pequenos e os bichos sofrem a tristeza do sol que não se apaga. Minhas penas ficaram como aquele sol e eu trago as canções tristes daqueles que gostariam de ouvir o barulho das cachoeiras e ver a beleza dos campos verdes.” E de novo começavam as estórias.
A menina amava aquele pássaro e podia ouvi-lo sem parar, dia após dia. E o pássaro amava a menina, e por isso voltava sempre.
Mas chegava sempre uma hora de tristeza.
“- Tenho de ir”, ele dizia.
“- Por favor, não vá. Fico tão triste. Terei saudades. E vou chorar...” E a menina fazia um beicinho...
“- Eu também terei saudades”, dizia o pássaro. “Eu também vou chorar. Mas eu vou lhe contar um segredo: as plantas precisam da água, nós precisamos do ar, os peixes precisam dos rios... E o meu encanto precisa da saudade. É aquela tristeza, na espera da volta, que faz com que as minhas penas fiquem bonitas. Se eu não for não haverá saudade. Eu deixarei de ser um pássaro encantado. E você deixará de me amar.”
Assim, ele partiu. A menina, sozinha, chorava de tristeza à noite, imaginando se o pássaro voltaria. E foi numa destas noites que ela teve uma idéia malvada:
“- Se eu o prender numa gaiola, ele nunca mais partirá. Será meu para sempre. Não mais terei saudades. E ficarei feliz...”
Com estes pensamentos comprou uma linda gaiola, de prata, própria para um pássaro que se ama muito. E ficou à espera. Finalmente ele chegou, maravilhoso em suas novas cores, com estórias diferentes para contar. Cansado da viagem, adormeceu. Foi então que a menina, cuidadosamente, para que ele não acordasse, o prendeu na gaiola, para que ele nunca mais a abandonasse. E adormeceu feliz. Foi acordar de madrugada, com um gemido do pássaro...
“- Ah! Menina... Que é que você fez?” Quebrou-se o encanto. Minhas penas ficarão feias e eu me esquecerei das estórias... Sem a saudade, o amor irá embora...”
A menina não acreditou. Pensou que ele acabaria por se acostumar. Mas não foi isto que aconteceu. O tempo ia passando, e o pássaro ia ficando diferente. Caíram as plumas e o penacho. Os vermelhos, os verdes e os azuis das penas transformaram-se num cinzento triste. E veio o silêncio: deixou de cantar.
Também a menina se entristeceu. Não, aquele não era o pássaro que ela amava. E de noite ela chorava, pensando naquilo que havia feito de seu amigo...
Até que não mais agüentou.
Abriu a porta da gaiola.
“- Pode ir, pássaro. Volte quando você quiser...”
“- Obrigado, menina. É, eu tenho de partir. É preciso partir para que a saudade chegue e eu tenha vontade de voltar. Longe, na saudade, muitas coisas boas começam a crescer dentro da gente. Sempre que você ficar com saudade eu ficarei mais bonito. Sempre que eu ficar com saudade, você ficará mais bonita. E você se enfeitará, para me esperar...”
E partiu. Voou que voou, para lugares distantes. A menina contava os dias, e a cada dia que passava, a saudade crescia.
“- Que bom”, ela pensava. “Meu pássaro está ficando encantado de novo...”
E ela ia ao guarda-roupa, escolher os vestidos, e penteava os cabelos e colocava uma flor na jarra...
“- Nunca se sabe. Pode ser que ele volte hoje...”
Sem que ela se apercebesse, o mundo inteiro foi ficando encantado, como o pássaro. Porque em algum lugar ele deveria estar voando. De algum lugar ele haveria de voltar. Ah! Mundo maravilhoso, que guarda em algum lugar secreto o pássaro encantado que se ama...
E foi assim que ela, cada noite ia para a cama, triste de saudade, mas feliz com o pensamento:
“- Quem sabe ele voltará amanhã...”
E assim dormia e sonhava com a alegria do reencontro..."

2 comentários:

Miguel Del Castillo disse...

acho que o melhor a se fazer é ficar em silêncio depois de ler isso.

brigado, Rubem.

brigado, você, por postar isso aqui.

e um feliz natal. ou, feliz dia-da-matança-da-saudade.

beijos

Marcos Vichi disse...

Olá Bianca!

Escolhas, liberdade e saudade são palavras que se relacionam intimamente, porque não podemos ter tudo e quando decidimos por algo, temos que deixar as outras opções irem embora.

Quando estão relacionadas às pessoas estas escolhas dependem de uma aceitação e nada como a liberdade de dizer não para nos ensinar a valorizar cada sim que recebemos. Gaiolas entristecem e matam o verdadeiro amor.

Esta estória do Rubem Alves é ótima!

Beijos,

--
Marcos Vichi
http://compartilhandopalavras.blogspot.com
http://viagenseexperiencias.blogspot.com